A bilionária revolução do bem-estar animal
- Fabíola Dias
- 29 de ago.
- 5 min de leitura

Uma revolução silenciosa está em curso na indústria de proteína animal catarinense, elevando ainda mais a régua na já reconhecida qualidade dos alimentos produzidos pelo Brasil e exportados para os cinco continentes. A nova exigência do mercado, tanto no país quanto no exterior, passa pela adoção de protocolos com foco no bem-estar animal.
Além de saber a procedência, conhecer a forma como foi criado, tratado e transportado, até chegar à gôndola do supermercado, é fundamental para quase 73% dos consumidores, conforme a NSF (antiga National Sanitation Foundation), uma organização global sem fins lucrativos focada em saúde e segurança pública.
Um bom exemplo desta virada de chave pode ser conferido nos setores de carne em que Santa Catarina é referência, como segundo maior produtor e exportador de frangos, atrás apenas do Paraná, e líder na produção e exportação de suínos no país. No lugar do singelo poleiro, uma estrutura que mais parece um playground possibilita que os frangos possam desempenhar um dos comportamentos que é natural para as aves, como se empoleirar, enquanto crescem dentro do aviário, com rigoroso controle da ambiência.
Na creche destinada aos leitões, o piso é aquecido por um sistema de calefação, similar ao utilizado nas residências de inverno. No lugar do proprietário extenuado pelo trabalho braçal, uma geração de jovens que volta a viver no campo, com todo o controle da granja na palma da mão, por meio de aplicativos. A principal motivação para este retorno às origens está na rentabilidade da agroindústria, respondem sem hesitar.
Sai de cena aquela velha imagem do produtor e nasce o conceito de empresário rural, como eles preferem se autodefinir. A diferença é que, ao invés do happy hour em meio à selva de pedra, a preferência é pelo chimarrão, desfrutando o silêncio e a paz do campo.
Trata-se do novo conceito de bem-estar único, que prevê qualidade de vida não somente para os animais de corte, mas também para quem mora no meio rural, aliando tecnologia, conexão em tempo real e automação, sem descuidar do meio ambiente. A remuneração líquida para as famílias associadas à cooperativa gira entre R$ 10 mil e R$ 15 mil por mês.
Aumento da produtividade em até 30%
O investimento em bem-estar animal, somado ao desenvolvimento genético, alimentação e valorização do produtor rural, se reflete em um resultado impensável há uma década para o setor: um aumento de até 30% na produtividade de carne, conforme estudos de certificadoras internacionais.
Um retrato desta transformação no campo, a partir da nova necessidade imposta pelo consumidor, pode ser conferido no Oeste Catarinense. Apenas a Aurora Coop já investiu cerca de R$ 1,4 bilhão em melhoria de processos para o bem-estar animal desde 2008, quando aderiu ao Programa Nacional de Abate Humanitário. Terceiro maior grupo agroindustrial de proteína animal do país, a cooperativa abate 1,3 milhão de frangos e 32 mil suínos por dia.
O investimento em boas práticas se reflete no balanço da cooperativa: a Aurora Coop registrou receita operacional bruta de R$ 24,9 bilhões em 2024, um crescimento de 14,2% em comparação ao ano anterior. Já a receita operacional líquida teve um incremento de 13,5%, fechando o ano passado com R$ 22,8 bilhões.
O princípio do programa de Bem-Estar Animal adotado pela Aurora Coop tem como regra basilar a tolerância zero a qualquer forma de maus-tratos, seja por negligência, seja por abuso no manejo dos animais.
Ela opera como a unidade central de uma rede composta por 14 cooperativas filiadas, distribuídas em quatro estados. A sede fica em Chapecó, cidade polo da região, mas é no interior dos pequenos municípios vizinhos, onde vive boa parte das 87 mil famílias que abastecem as fábricas de suínos e aves, que a verdadeira mágica acontece.
Em Caxambu do Sul, com cerca de 5 mil habitantes e a 31 quilômetros de Chapecó, especialistas responsáveis pelo monitoramento dobem-estar animal afirmam que, há pouco mais de cinco anos, as propriedades locais entregavam cerca de 1,3 milhão de frangos para o abate a cada 12 meses. Em 2025, somente no primeiro semestre, foram 2 milhões de aves fornecidas pelas mesmas 40 famílias. Com o pintinho recebendo os cuidados desde a chegada, com pouco mais de 24 horas de vida, o tempo até alcançar a idade para o abate, pesando cerca de 3 quilos, foi reduzido de 60 para 40 dias, em média.
Também é importante, alertam os especialistas, que não se faça confusão entre o que se imagina como bem-estar para pets domesticados e o manejo empregado aos animais destinados à indústria de corte. Bem-estar, neste caso, significa que, quanto mais o frango ou o suíno se desenvolver sem estresse, sem exposição a qualquer situação que provoque dor, menor será a mortalidade na criação e maior será quantidade e a qualidade de carne extraída daquele animal. Atualmente, as perdas na etapa do crescimento de aves e suínos estão na faixa de 3,5%, um percentual considerado baixíssimo em relação a anos anteriores.
Procura por certificação cresce 100%
A crescente demanda por alimentos com origem responsável tem provocado mudanças no setor de produção animal em todo o mundo. Uma pesquisa feita pela organização independente NSF, em março de 2025, mostrou que 73% dos consumidores no mundo consideram o bem-estar animal importante na hora de escolher os produtos que consomem.
Alinhado a esta demanda de mercado, a Certified Humane Internacional, representante na América Latina e Ásia da Humane Farm Animal Care (HFAC), principal organização internacional certificadora do bem-estar para animais de produção, registrou um crescimento de 100% nos últimos cinco anos no número de empresas habilitadas. Este aumento foi fruto da participação expressiva de operações da região asiática, desde o início de sua atuação no continente em 2017. Hoje, a organização certifica na Índia, Indonésia, Malásia, Singapura, Tailândia, Turquia, Vietnã, Filipinas e Laos.
O tamanho do mercado local de proteína animal, a renda em crescimento e a tendência mundial de entender melhor a origem dos alimentos e como são produzidos foram grandes estopins para a expansão do segmento de bem-estar animal.
Com 45 empresas certificadas apenas no Brasil e mais de 130 em países em desenvolvimento, o programa Certified Humane da HFAC consolidou-se como referência em boas práticas na produção animal. No Brasil, segundo dados da NSF, o índice de consumidores que consideram o bem-estar animal essencial sobe para 81%.
Criada há mais de 20 anos nos Estados Unidos, a Certified Humane atua hoje em mais de 26 países e é reconhecida por sua independência e rigor técnico, impactando a vida de mais de meio bilhão de animais anualmente criados sob critérios rigorosos de bem-estar anualmente. Além da Ásia, na América Latina, são dez países com o selo em países como Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador, México, Paraguai, Peru e Uruguai.
As auditorias são conduzidas por inspetores próprios, geralmente veterinários ou zootecnistas especialistas em bem-estar animal, o que garante padronização e confiança ao processo. Luiz explica que as auditorias não são terceirizadas a empresas privadas que auditam diferentes padrões.
Fonte: Exame























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